O jogador e os jogos de azar
Olá internautas,
Apesar de já ter tratado desse assunto em post anterior, gostaria de aprofundar um pouco mais no tema dos jogos de azar e a dependência do jogo. Por isso, o post ficará mais longo do que de costume.
Muito tem se discutido sobre as casas de jogos de azar voltarem a ser legalizadas no Brasil. De acordo com as publicações que têm sido feitas sobre esse assunto, a intenção do governo com essa legalização é aumentar as receitas da União, uma vez que hoje os cassinos e jogo do bicho, por exemplo, funcionam de forma clandestina e, por isso, não arrecadam impostos. Em contraponto, o Ministério Público se opõe ao projeto com o argumento de que isso poderia facilitar a lavagem de dinheiro e a corrupção.
Mas e o jogador, no meio de tudo isso?
A patologia do jogo teve uma adequação recente no DSM-V, mudando sua nomenclatura de Pathological Gambling para Gambling Disorder (ou seja, de jogo patológico para transtorno do jogo), e sendo incluída na categoria de adições e transtornos relacionados (APA, 2013).
Algumas pessoas gostam de se reunir com os amigos e familiares para jogar um baralhinho. Outras gostam de jogar no computador, e outras gostam de acompanhar campeonatos e tentar dar previsões aos amigos sobre os resultados dos jogos. Alguns, porém, só acham graça nessas atividades quando elas envolvem dinheiro. E, nesse movimento, as pessoas se endividam e entram num processo patológico que causa sérios danos a elas e à família.
O transtorno do jogo é uma doença séria e que traz inúmeros prejuízos ao dependente e à família. Para esclarecer um pouco mais sobre essa patologia, peguei alguns tópicos de uma entrevista do Drauzio Varella com o prof. Hermano Tavares, professor da Faculdade de Medicina da USP, especialista no assunto - e meu orientador :)
No jogo patológico não há a dimensão do lazer, o jogador não joga somente para se divertir, existe uma busca de lucro com essa atividade. Porém, a medida que ocorrem os prejuízos, o jogador aposta cada vez mais para tentar recuperar o que perdeu. E, ainda que ele eventualmente recupere o valor perdido, muitos recomeçam o processo de tentar lucrar por meio do jogo, criando uma bola de neve sem controle e um rombo financeiro cada vez maior.
Segundo o prof. Hermano, esse comportamento se mantém por várias razões, sendo que um fenômeno que aparece em todos os jogadores se chama memória seletiva. Daí ele explica (Varella, 2011):
Não foram poucos os pacientes que me disseram: “Não, mas às vezes eu ganho. Outro dia mesmo, bati um bingo acumulado e ganhei R$ 4.000,00”. Costumo, então, fazer com eles o seguinte raciocínio. Quero saber quanto tempo levaram para ganhar esse dinheiro. Em geral, jogaram todos os dias naquela semana e gastaram R$ 12.000,00 em apostas, mas se esquecem disso, pois a memória seletiva registra apenas o último resultado. Para eles, o saldo é positivo: ganharam R$ 4.000,00 e não negativo em R$ 8.000,00 como as evidências demonstram. Não fazem essa conta e só descobrem o rombo nas finanças quando estoura o cheque especial e não têm mais um tostão para fazer os pagamentos.
Os fatores de risco incluem personalidade, contexto e condição social. Segundo o prof. Hermano, pessoas de classe média baixa estão mais propensas a desenvolver esse tipo de comportamento, bem como pessoas com traços intensos de impulsividade e ansiedade. E o motivo é que, uma vez que essas pessoas chegam a outra classe social, elas percebem que há itens que elas gostariam de ter, mas não podem comprar. Caso ocorra de, um dia, elas ou alguém conhecido ganharem uma bolada numa aposta ou num jogo de azar, passam a associar o jogo como uma forma mais simples e rápida de se obter dinheiro. E daí começam os problemas. Existe algumas hipóteses sobre causas genéticas, que também podem ser consideradas como fatores que predispõem a pessoa à dependência do jogo.
O perfil dos jogadores homens e mulheres também varia. No caso dos homens, em geral a dependência de jogo começa no final da adolescência ou no começo da vida adulta e é progressiva, sendo um processo bem parecido com a história dos usuários de drogas e alcoolistas. Já no caso das mulheres, a maioria começa depois dos 40-45 anos para preencher o tempo que antes era dedicado ao trabalho e / ou aos filhos, e elas dão mais preferência pelos jogos eletrônicos.
Em alguns países como Estados Unidos e Canadá já existe uma discussão sobre a dependência de jogo em adolescentes, pois algumas pesquisas têm demonstrado que o índice de jogadores entre os adolescentes nesses países é de 6%, enquanto que na idade adulta chega a 2%.
Com relação ao perfil dos jogos, segundo o prof. Hermano os jogos de azar são somente aqueles que envolvem apostas, dinheiro. E os mais viciantes, como na dependência química, são aqueles cuja recompensa é mais imediata. Ou seja, jogos de azar que demoram 1 semana para sair o resultado são menos viciantes do que as máquinas que indicam o resultado de forma quase imediata ao momento que o jogador fez a aposta.
As formas de prevenção mais indicadas aqui são visitas do sistema público de saúde às escolas para explicar o que é jogo de azar e como o processo de apostas realmente acontece até se tornar patológico. Contribuições dos professores de matemática e física, além disso, são essenciais para inserir o conhecimento sobre probabilidade dentro dessa discussão.
Além disso, a disseminação de informação sobre o assunto é essencial para as pessoas que já concluíram o ensino médio, pois com informação e orientação é que as pessoas se tornam mais capazes de avaliar o fenômeno do jogo e podem ser amparadas mais rapidamente se necessário. Dependendo da gravidade, muitos jogadores entram em depressão e têm ideação suicida.
Quanto ao tratamento, por ser uma patologia comportamental o tratamento consiste basicamente em psicoterapia, tanto para o jogador quanto para seus familiares. O tratamento também é feito nas demais condições psiquiátricas associadas quando existem, uma vez que dados estatísticos indicam que, em 70% dos casos, pode ocorrer depressão, fobias, transtorno do pânico e dependência de substâncias, incluindo tabaco. Nesses casos, são receitados medicamentos para controlar essas condições psiquiátricas associadas.
Referências
American Psychiatric Association - APA (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, third edition. Washington, DC.
Varella, D (2011). Entrevista sobre Jogadores Patológicos. http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/jogadores-patologicos/
Apesar de já ter tratado desse assunto em post anterior, gostaria de aprofundar um pouco mais no tema dos jogos de azar e a dependência do jogo. Por isso, o post ficará mais longo do que de costume.
Muito tem se discutido sobre as casas de jogos de azar voltarem a ser legalizadas no Brasil. De acordo com as publicações que têm sido feitas sobre esse assunto, a intenção do governo com essa legalização é aumentar as receitas da União, uma vez que hoje os cassinos e jogo do bicho, por exemplo, funcionam de forma clandestina e, por isso, não arrecadam impostos. Em contraponto, o Ministério Público se opõe ao projeto com o argumento de que isso poderia facilitar a lavagem de dinheiro e a corrupção.
Mas e o jogador, no meio de tudo isso?
A patologia do jogo teve uma adequação recente no DSM-V, mudando sua nomenclatura de Pathological Gambling para Gambling Disorder (ou seja, de jogo patológico para transtorno do jogo), e sendo incluída na categoria de adições e transtornos relacionados (APA, 2013).
Algumas pessoas gostam de se reunir com os amigos e familiares para jogar um baralhinho. Outras gostam de jogar no computador, e outras gostam de acompanhar campeonatos e tentar dar previsões aos amigos sobre os resultados dos jogos. Alguns, porém, só acham graça nessas atividades quando elas envolvem dinheiro. E, nesse movimento, as pessoas se endividam e entram num processo patológico que causa sérios danos a elas e à família.
O transtorno do jogo é uma doença séria e que traz inúmeros prejuízos ao dependente e à família. Para esclarecer um pouco mais sobre essa patologia, peguei alguns tópicos de uma entrevista do Drauzio Varella com o prof. Hermano Tavares, professor da Faculdade de Medicina da USP, especialista no assunto - e meu orientador :)
No jogo patológico não há a dimensão do lazer, o jogador não joga somente para se divertir, existe uma busca de lucro com essa atividade. Porém, a medida que ocorrem os prejuízos, o jogador aposta cada vez mais para tentar recuperar o que perdeu. E, ainda que ele eventualmente recupere o valor perdido, muitos recomeçam o processo de tentar lucrar por meio do jogo, criando uma bola de neve sem controle e um rombo financeiro cada vez maior.
Segundo o prof. Hermano, esse comportamento se mantém por várias razões, sendo que um fenômeno que aparece em todos os jogadores se chama memória seletiva. Daí ele explica (Varella, 2011):
Não foram poucos os pacientes que me disseram: “Não, mas às vezes eu ganho. Outro dia mesmo, bati um bingo acumulado e ganhei R$ 4.000,00”. Costumo, então, fazer com eles o seguinte raciocínio. Quero saber quanto tempo levaram para ganhar esse dinheiro. Em geral, jogaram todos os dias naquela semana e gastaram R$ 12.000,00 em apostas, mas se esquecem disso, pois a memória seletiva registra apenas o último resultado. Para eles, o saldo é positivo: ganharam R$ 4.000,00 e não negativo em R$ 8.000,00 como as evidências demonstram. Não fazem essa conta e só descobrem o rombo nas finanças quando estoura o cheque especial e não têm mais um tostão para fazer os pagamentos.
Os fatores de risco incluem personalidade, contexto e condição social. Segundo o prof. Hermano, pessoas de classe média baixa estão mais propensas a desenvolver esse tipo de comportamento, bem como pessoas com traços intensos de impulsividade e ansiedade. E o motivo é que, uma vez que essas pessoas chegam a outra classe social, elas percebem que há itens que elas gostariam de ter, mas não podem comprar. Caso ocorra de, um dia, elas ou alguém conhecido ganharem uma bolada numa aposta ou num jogo de azar, passam a associar o jogo como uma forma mais simples e rápida de se obter dinheiro. E daí começam os problemas. Existe algumas hipóteses sobre causas genéticas, que também podem ser consideradas como fatores que predispõem a pessoa à dependência do jogo.
O perfil dos jogadores homens e mulheres também varia. No caso dos homens, em geral a dependência de jogo começa no final da adolescência ou no começo da vida adulta e é progressiva, sendo um processo bem parecido com a história dos usuários de drogas e alcoolistas. Já no caso das mulheres, a maioria começa depois dos 40-45 anos para preencher o tempo que antes era dedicado ao trabalho e / ou aos filhos, e elas dão mais preferência pelos jogos eletrônicos.
Em alguns países como Estados Unidos e Canadá já existe uma discussão sobre a dependência de jogo em adolescentes, pois algumas pesquisas têm demonstrado que o índice de jogadores entre os adolescentes nesses países é de 6%, enquanto que na idade adulta chega a 2%.
Com relação ao perfil dos jogos, segundo o prof. Hermano os jogos de azar são somente aqueles que envolvem apostas, dinheiro. E os mais viciantes, como na dependência química, são aqueles cuja recompensa é mais imediata. Ou seja, jogos de azar que demoram 1 semana para sair o resultado são menos viciantes do que as máquinas que indicam o resultado de forma quase imediata ao momento que o jogador fez a aposta.
As formas de prevenção mais indicadas aqui são visitas do sistema público de saúde às escolas para explicar o que é jogo de azar e como o processo de apostas realmente acontece até se tornar patológico. Contribuições dos professores de matemática e física, além disso, são essenciais para inserir o conhecimento sobre probabilidade dentro dessa discussão.
Além disso, a disseminação de informação sobre o assunto é essencial para as pessoas que já concluíram o ensino médio, pois com informação e orientação é que as pessoas se tornam mais capazes de avaliar o fenômeno do jogo e podem ser amparadas mais rapidamente se necessário. Dependendo da gravidade, muitos jogadores entram em depressão e têm ideação suicida.
Quanto ao tratamento, por ser uma patologia comportamental o tratamento consiste basicamente em psicoterapia, tanto para o jogador quanto para seus familiares. O tratamento também é feito nas demais condições psiquiátricas associadas quando existem, uma vez que dados estatísticos indicam que, em 70% dos casos, pode ocorrer depressão, fobias, transtorno do pânico e dependência de substâncias, incluindo tabaco. Nesses casos, são receitados medicamentos para controlar essas condições psiquiátricas associadas.
Referências
American Psychiatric Association - APA (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, third edition. Washington, DC.
Varella, D (2011). Entrevista sobre Jogadores Patológicos. http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/jogadores-patologicos/
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